domingo, 12 de setembro de 2010

Carlos DRUMMOND de Andrade










Com uma obra tão vasta e complexa, torna-se praticamente impossível classificar ou rotular os poemas de Drummond. O olhar suave, a visão crítica, o tom sarcástico, a liberdade métrica dos versos e até mesmo as rimas se encontram e desencontram em sua escrita. Por não se prender a qualquer rótulo ou barreira, conseguiu que seu nome fosse sempre associado ao novo.






1934 - BREJO DAS ALMAS

o se mate
Carlos, sossegue, o amor

é isso que você está vendo:

hoje beija, amanhã não beija,

depois de amanhã é domingo

e segunda-feira ninguém sabe o que será.

 
Inútil você resistir

ou mesmo suicidar-se.

Não se mate, oh não se mate,

reserve-se todo para

as bodas que ninguém sabe

quando virão,

se é que virão.

 
O amor, Carlos, você telúrico,

a noite passou em você,

e os recalques se sublimando,

lá dentro um barulho inefável,

rezas,

vitrolas,

santos que se persignam,

anúncios do melhor sabão,

barulho que ninguém sabe

de quê, praquê.

 
Entretanto você caminha

melancólico e vertical.

Você é a palmeira, você é o grito

que ninguém ouviu no teatro

e as luzes todas se apagam.

O amor no escuro, não, no claro,

é sempre triste, meu filho, Carlos,

mas não diga nada a ninguém,

ninguem sabe nem saberá.

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Não passou



Passou?

Minúsculas eternidades

deglutidas por mínimos relógios

ressoam na mente cavernosa.

 
Não, ninguém morreu, ninguém foi infeliz.

A mão- a tua mão, nossas mãos-

rugosas, têm o antigo calor

de quando éramos vivos. Éramos?

Hoje somos mais vivos do que nunca.

Mentira, estarmos sós.

Nada, que eu sinta, passa realmente.

É tudo ilusão de ter passado.


 
Carlos Drummond de Andrade

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Acordar, viver



Como acordar sem sofrimento?

Recomeçar sem horror?

O sono transportou-me

àquele reino onde não existe vida

e eu quedo inerte sem paixão.

 
Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,

a fábula inconclusa,

suportar a semelhança das coisas ásperas

de amanhã com as coisas ásperas de hoje?

Como proteger-me das feridas

que rasga em mim o acontecimento,

qualquer acontecimento

que lembra a Terra e sua púrpura

demente?

E mais aquela ferida que me inflijo

a cada hora, algoz

do inocente que não sou?

 
Ninguém responde, a vida é pétrea.

 
Carlos Drummond de Andrade


 

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NO MEIO DO CAMINHO

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra


Carlos Drummond de Andrade




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